Pedale como Marina Harkot

Pedale como Marina Harkot . Até quando a pressa e a imprudência vale a nossa vida?!

No final de semana passado, perdemos uma mulher, cicloativista, amiga, filha, companheira e pesquisadora de mobilidade urbana. Marina Harkot, que estava voltando para casa de bicicleta, em São Paulo, teve a sua vida brutalmente interrompida por um motorista que a atropelou e fugiu sem prestar socorro.

Pedale como Marina Harkot -Ato de solidariedade realizado em Porto Alegre Foto: Aline More - Prisma Fotografia
Pedale como Marina Harkot -Ato de solidariedade realizado em Porto Alegre Foto: Aline More – Prisma Fotografia

Minutos depois do acidente, uma câmera de um elevador filmou o motorista dando risada. Nesse carro, estavam três pessoas e nenhuma teve a humanidade de parar e socorrer a Marina.

Eu não conhecia Marina, mas é como se parte de mim tivesse ido junto com ela. Naquela bicicleta, poderia estar ela, eu, tu, uma amiga, um companheiro, um familiar. Nós andamos desarmados de bicicleta, somos somente nós e a nossa coragem, não temos uma lataria ou airbag, que nos protege.

Não temos como nos defender de armas de quatro rodas ou de um, dois, três copos de cerveja ou de vinho. Nem sempre há ciclovias e elas só foram feitas porque não existe o respeito com o outro. Ciclovias existem porque temos que delimitar espaços, já que não há o cuidado e a empatia.

.A orientadora da Marina, a urbanista Paula Freire Santoro, afirma em uma entrevista para a Época que “o problema de São Paulo não está na construção de ciclovias, mas na falta de compartilhamento da cidade”.

Na dissertação de mestrado da Marina “A Bicicleta e as Mulheres”, ela avalia qual o motivo das mulheres andarem pouco de bicicleta e faz uma reflexão trazendo um recorte de gênero onde ela diz que “o medo das mulheres nos espaços urbanos merece atenção especial por não ter como fundamento a mesma preocupação geral com a violência física e patrimonial.

O medo das mulheres na cidade é baseado em violência física ”. Nesse trabalho, ela fala que as mulheres ciclistas escolhem caminhos que sentem salvas, segundo Marina, “por conta do medo da violência, mulheres tendem a traçar mapas mentais dos locais públicos que lhes parecem ameaçadores, fruto de experiências passadas próprias ou informações recebidas através de outras pessoas – além de sofrerem a constante ameaça de invasão de seus espaços pessoais através de cantadas, assovios ou ataques físicos propriamente ditos”.

Ou seja, o nosso medo em cima da bicicleta perpassa tantas outras questões além do trânsito, quantas de nós já tivemos o nosso espaço invadido, quantas já recebemos um olhar que não deveríamos estar ocupando aquele lugar ou uma cantada ou uma buzinada?

De nada adianta existir infraestrutura de ciclovias, se não nos sentirmos seguras para usá-las. Ser mulher e pedalar exige uma coragem ainda maior. Quando eu estou pedalando à noite, nunca uso as ciclovias, principalmente quando estou sozinha, pois não acho seguro, muitas ciclovias parecem verdadeiras armadilhas de emboscada e acabo me sentindo mais segura no trânsito.

Isso porque eu sempre acredito que quem está compartilhando a via comigo vai cuidar de mim, assim como eu cuido do outro. Eu sempre vou lutar por isso, que podemos compartilhar o trânsito juntos.

Na última sexta-feira, estive junto com os ciclistas aqui em Porto Alegre e fizemos um ato de homenagem à Marina, na voz uníssona de “Marina: Presente”, “Saliba: Presente”, “Bicicleta é: Revolução” e “Mais Amor e Menos Motor” pedimos mais respeito ao trânsito, mais cuidado.

Ato de solidariedade realizado em Porto Alegre Foto: Aline More - Prisma Fotografia
Ato de solidariedade realizado em Porto Alegre Foto: Aline More – Prisma Fotografia

Conversamos com os motoristas entregando panfletos, mostrando que nós somos iguais a eles em muitas questões, mas somente os condutores estão protegidos, por isso a importância de manter 1,5m de distância ao ultrapassar um ciclista, isso tem o poder de salvar vidas.

Depois do ato, no sábado, eu saí para pedalar com a minha amiga Amália às 5h e na volta passamos por tantas buzinadas, tantos assovios desnecessários, tantos espaços invadidos e passamos pelo local onde a Débora Saliba, ciclista, que também foi atropelada há pouco mais de dois anos aqui em Porto Alegre. Isso só fez reafirmar ainda mais que somos RESISTÊNCIA e que continuaremos pedalando e exigindo o nosso espaço no trânsito.

Até quando a pressa e a imprudência vale a nossa vida?!

Não vamos parar de pedalar e lutar pelo nosso direito e pela justiça à Marina e à Saliba e a tantos outros ciclistas que perderam as suas vidas.

A luta da Saliba e da Marina continuam!

Marina Presente!

Saliba Presente!

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Autora Fernanda Goulart Leques, engenheira civil e ciclista é a responsável pela nova “coluna” deste Blog sobre Mobilidade Urbana